quinta-feira, 19 de fevereiro de 2009



Os desgostos de amor são horríveis. E, por serem horríveis, as pessoas dizem que fazem parte; que dão força e fazem crescer. Tal é o medo de aceitar a totalidade da tragédia que são que se chega ao ponto de ver os desgostos de amor como um rito de passagem não só para a humanidade como para o próprio amor - o que é muito mais grave. É sempre outrem que fala assim levemente; alguém que, se calhar, nunca teve um desgosto de amor digno do nome ou, se o teve, já o esqueceu e, ao esquecê-lo, provou que nunca amou, por muito desgostoso que tenha ficado. Porque também existe o desgosto de ser abandonado por alguém de quem nos habituáramos a fugir, e de já não ser amado por quem nunca amámos.

Mas isso é um simples desgosto que nada tem a ver com o amor. Já um desgosto de amor é um desgosto completo: uma desilusão e uma angústia; uma frustração de quase não existir, que começa por nós próprios, num incêndio de chuva que vai por aí afora até estragar o mundo inteiro, incluindo o que mais se queria proteger: a pessoa amada. Os abutres da consolação pretendem reclassificar os desgostos e ofender o amor e, distraídos pelo prazer necrófilo de cheirar, mesmo numa pessoa amada, a morte do amor alheio - tão secreta e infinitamente invejado! -, chegam a dizer as três palavras mais estúpidas, cruéis, inúteis e indignas daquelas circunstâncias: “Foi melhor assim.” Acrescentando, às vezes, mais duas: “Deixa lá. ” Como se pudéssemos responder: “Boa ideia - vou deixar!”
Os desgostos de amor estragam a alma. É preciso ter muito medo deles. Respeito. Cuidadinho. Tratar o amor nas palminhas. Mesmo antes de chegar a pessoa que se vai amar. É que os corações ficam partidos. Deixam de poder amar. E, em vez de amar, tornam-se músculos leves e cínicos, trocistas e elegantes. Pode até ser muito giro ser assim. Mas está para o amor como o gosto duma pedra de sal está para o mar.
E às vezes ainda é mais triste: é o próprio gosto pelo amor, como quem gosta de um prazer qualquer, que mata o amor - a possibilidade de amar - logo à nascença. Será este o único desgosto, por muito caladinho que seja, tão grande como um desgosto de amor.”

por Miguel Esteves Cardoso


2 comentários:

Carrie, Miranda, Charlotte, Samantha disse...

Que texto lindo! Um incêndio de chuva que destrói tudo até nada restar no mundo... mas há alo que está sempre presente e que é o mor mais importante de todos: o amor por nós próprios. Óbviamente dizer " HAJA SAUDINHA!!!" ou "TENS D SER FORTE" não resulta em nada, são apenas frases para momentos tão complicados, que quem está em volta não sabe o que dizer, logo, recore a lugares comuns para traduzir algo que pensa poder ser reconfortante para alguém num sofrimento controlável apenas quando for o momento de se conseguir controlar. Não esquecer...controlar. Controlar o sentimento, a lembrança, o amor-próprio, para que posamos VIVER e não apenas sobreviver, procurando de novo a felicidade, com alguém, sozinho, no trabalho, nos amigos, no cheiro da terra molhada num dia de calor depois de uma chuva de Verão, na a´gua quente que cai no nosso corpo num duche reconfortante depois de um dia de frio intenso, na nossa comida preferida, nim concerto, na musica... A felicidade está aí, é preciso agarrá-la. Mas s+o quando nos sentimos preparadas para o fazer! Fora os lugares comuns e as frases feitas!!!!! E os desgostos de amor...infelizmente fazem parte da História e nunca deixarão de existir. Mas o desgosto de nunca ter amado...esse sim, é grande, enorme, monstruoso! Parabéns, então, a quem já amou e tem momentos lindos de intensa felicidade para recordar, quando a tal altura chega!!!!


P.S. Vai uma caipiroska ou um shot de tequilla? :))



Carrie

Anónimo disse...

Fora os lugares comuns e as frases feitas!!!!! FORA!!!!



Charlotte